Um grupo de pessoas organizou uma festa no 33º aniversário do Pedro Rodrigues, um jovem tetraplégico da Golpilheira, cuja principal dor é a solidão.
O Pedro Rodrigues era um jovem normal, nascido a 18 de Junho de 1975, numa família humilde da Golpilheira. Andou na escola, arranjou o seu trabalho, fez a tropa, tinha o seu grupo de amigos e, apesar de sofrer de epilepsia, a sua vida era como a de tantos outros rapazes e raparigas da sua idade. Mas tudo mudou, no fatídico dia 3 de Fevereiro de 2001, quando um acidente de moto lhe roubou os movimentos e a maior parte das capacidades dos seus cinco sentidos.
Aparentemente, terá sido um ataque epiléptico a provocar a queda. Mas pouco importa a razão, porque o Pedro tem de conviver agora é com a consequência. Atirado para uma cama, onde é assistido pela mãe em todas as necessidades, inclusivamente a de se alimentar, o Pedro queixa-se, sobretudo, da solidão. Sem conseguir falar de modo a ser entendido por quem o visita, a mãe compreende a sua revolta. A vida já não tem o movimento de outrora e, nesta sociedade da correria e da falta de tempo para tudo, quem não consegue mexer-se fica, muitas vezes, esquecido no seu canto. Por isso, facilmente cai no desespero e no sentimento de que já não tem amigos.
Foi exactamente para provar que isso não é verdade, que a Leonor Cristino, a Isabel Henriques e a Lurdes Prior tiveram a ideia de fazer uma surpresa ao Pedro, no dia em que celebrou 33 anos. Começaram por fazer um pequeno peditório pela freguesia, para comprar a prenda: uma televisão para ele ver no quarto, como ajuda para passar o tempo. Mas como a dona Lurdes decidiu oferecer ela mesma a televisão, o dinheiro angariado serviu para comprar um cabaz de compras de bens essenciais e ainda para fazer uma pequena festa, para a qual foram convidados os que fizeram um donativo. Não vieram todos, mas ainda se juntou um grupinho de uma dúzia de pessoas, que puderam testemunhar a alegria que o Pedro sentiu com esta surpresa.
Pode não parecer uma grande ajuda para a sua situação, pois os dias voltarão a ser o que eram. Mas foi, sem dúvida, um gesto que ajudará esses dias a ter um pouco mais de cor. A vivência deste dia especial serviu, pelo menos, para ele saber que ainda há quem se lembre dele e se interesse pela sua felicidade. Ainda que nem sempre possam estar presentes, porque vivem também nesta sociedade da correria e da falta de tempo para tudo, estas pessoas deixaram-lhe a mensagem importante de que "ainda tem amigos". E são estes pequenos gestos de solidariedade com rosto, para com quem está ao nosso lado, que têm mais valor para a construção de uma sociedade mais humana e acolhedora.
Melhorar é possível
Mas nem só a solidariedade pode ajudar o Pedro Rodrigues. Também a medicina e os cuidados terapêuticos são essenciais para que a sua vida possa tornar-se um pouco melhor. Prova disso foi a recente passagem de três meses no Centro Hospitalar de Nossa Senhora da Conceição, nas Brancas, uma das experiências mais marcantes e valiosas que fez desde o acidente. A mãe não poupa adjectivos para qualificar o trabalho que ali se faz. Nas mãos da equipa orientada pelo doutor José Leite, o Pedro aprendeu a expressar-se melhor, de modo que já consegue fazer-se entender, a sua capacidade de memória aumentou significativamente, alguns dos movimentos começaram a ficar menos presos, tornou-se um pouco mais autónomo e, sobretudo, reage com mais calma à consciência das suas limitações, controlando a revolta que, frequentemente, tomava conta da suas atitudes.
Esta é, aliás, mais uma história, entre tantas outras de quem passa por aquela unidade de cuidados continuados, dos pequenos milagres que diariamente ali são realizados, como ainda recentemente referimos numa reportagem publicada neste jornal. Este é um espaço onde a humanidade dos técnicos, o ambiente familiar da instituição e a ternura dos cuidados que são oferecidos aos doentes cura, por vezes, mais do que os medicamentos e os tratamentos médicos. Mas é um hospital para permanências curtas, não pode ser de internamento prolongado. Quem tem dinheiro, pode optar por recorrer a instituições privadas do género e conseguir melhorias assinaláveis. Quem não tem, como é o caso da família do Pedro, tem de contentar-se com as pequenas migalhas que o nosso sistema de saúde possa oferecer.
Nesta pequena festa de aniversário, a mãe do Pedro agradeceu emocionada às pessoas que organizaram e participaram nesta festa surpresa, que tanta alegria lhe trouxe. Mas não deixou de pedir aquela que seria a melhor prenda para o seu filho: voltar a ser acolhido, ainda que por mais alguns meses, nesta unidade da Santa Casa da Misericórdia da Batalha.
Também vamos dar prenda...
O Jornal da Golpilheira só foi informado desta acção já depois de ser realizada, mas não vai deixar de se associar a tão significativo gesto. Assim, quando esta edição estiver impressa, iremos também fazer uma surpresa ao Pedro, levando-lhe pessoalmente este jornal, mostrando-lhe a sua foto na primeira página e lendo-lhe este texto sobre a festinha do seu 33º aniversário.
E para juntar à televisão que lhe foi oferecida, iremos dar-lhe um leitor de DVD e alguns filmes, para que possa passar alguns momentos mais alegres, quando se sentir sozinho no seu quarto. Sobretudo, para que não esqueça, nos dias mais escuros da sua doença, que ainda tem amigos que se preocupam com ele.
Luís Miguel Ferraz
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